quarta-feira, 1 de dezembro de 2010

Receita de Ano Novo (Drummond )



Para você ganhar belíssimo Ano Novo
cor de arco-íris, ou da cor da sua paz,
Ano Novo sem comparação como todo o tempo já vivido
(mal vivido ou talvez sem sentido)
para você ganhar um ano
não apenas pintado de novo, remendado às carreiras,
mas novo nas sementinhas do vir-a-ser,
novo
até no coração das coisas menos percebidas
(a começar pelo seu interior)
novo espontâneo, que de tão perfeito nem se nota,
mas com ele se come, se passeia,
se ama, se compreende, se trabalha,
você não precisa beber champanha ou qualquer outra birita,
não precisa expedir nem receber mensagens
(planta recebe mensagens?
passa telegramas?).
Não precisa fazer lista de boas intenções
para arquivá-las na gaveta.
Não precisa chorar de arrependido
pelas besteiras consumadas
nem parvamente acreditar
que por decreto da esperança
a partir de janeiro as coisas mudem
e seja tudo claridade, recompensa,
justiça entre os homens e as nações,
liberdade com cheiro e gosto de pão matinal,
direitos respeitados, começando
pelo direito augusto de viver.
Para ganhar um ano-novo
que mereça este nome,
você, meu caro, tem de merecê-lo,
tem de fazê-lo de novo, eu sei que não é fácil,
mas tente, experimente, consciente.
É dentro de você que o Ano Novo
cochila e espera desde sempre.


Texto extraído do "Jornal do Brasil", Dezembro/1997.

segunda-feira, 14 de junho de 2010

Entre quatro paredes (Bia Mendonça)



Noite em claro absorvendo loucura
A alegria que o cérebro se nega a produzir
Encontro na química de um pedaço de chocolate
Fórmula quase infalível pra desestabilizar planos de solidão
Ignoro a inspiração que chega
Nego a existência do caderno aberto
A tv abafa os pensamentos com alguma eficácia
Mas, alheia à minha vontade, essa inércia não vai durar a vida inteira
Sair pela rua seria uma boa ideia
A não ser pelo fato de não ser a única a estar lá
Ao virar a esquina alguém pode me chamar pelo nome
Até poderia fingir não ouvir, mas não sou assim, seria obrigada a responder
Conversas ao acaso me preocupam
Posso conduzir o enredo, mas não por todo o tempo
Naquela fração de segundos entre uma palavra e uma respiração
É ali que perco a autoria da história, passo à expectadora de uma trama desconhecida
Ando pela sala
Aquela música no rádio fez o coração contrair de súbito
Quebra-se a aparente segurança da ausência de sentimentos
A mesma nostalgia que acalma, faz chorar
Ah meu Deus, lá se vão as defesas!
Não mais indiferente às emoções
A fuga chega ao fim.

terça-feira, 23 de março de 2010

Se Fiquei Esperando Meu Amor Passar (Dado Villa-Lobos/Renato Russo/Marcelo Bonfá )


Se fiquei esperando meu amor passar
Já me basta que então, eu não sabia amar
E me via perdido e vivendo em erro
Sem querer me machucar de novo

Por culpa do amor

Mas você e eu podemos namorar.

E era simples: ficamos fortes.

Quando se aprende a amar

O mundo passa a ser seu

Quando se aprende a amar

O mundo passa a ser seu

Sei rimar romã com travesseiro

Quero a minha nação soberana

Com espaço, nobreza e descanso.

Se fiquei esperando meu amor passar

Já me basta que estava então longe de sereno

E fiquei tanto tempo duvidando de mim

Por fazer amor fazer sentido.

Começo a ficar livre
. Espero.
Acho que sim.

De olhos fechados não me vejo e,

Você sorriu pra mim

"Cordeiro de Deus que tirai os pecados do mundo,

Tende piedade de nós.

Cordeiro de Deus que tirai os pecados do mundo,

Tende piedade de nós.

Cordeiro de Deus que tirai os pecados do mundo,

Dai-nos a paz."

quinta-feira, 11 de março de 2010

Termos da nova dramática (Parem de falar mal da rotina)


Parem de falar mal da rotina
parem com essa sina anunciada
de que tudo vai mal porque se repete.
Mentira. Bi-mentira:
não vai mal porque repete.
Parece, mas não repete
não pode repetir
É impossível!
O ser é outro
o dia é outro
a hora é outra
e ninguém é tão exato.
Nem filme.
Pensando firme
nunca ouvi ninguém falar mal de determinadas rotinas:
chuva dia azul crepúsculo primavera lua cheia céu estrelado barulho do mar
O que que há?
Parem de falar mal da rotina
beijo na boca
mão nos peitinhos
água na sede
flor no jardim
colo de mãe
namoro
vaidades de banho e batom
vaidades de terno e gravata
vaidades de jeans e camiseta
pecados paixões punhetas
livros cinemas gavetas
são nossos óbvios de estimação
e ninguém pra eles fala não
abraço pau buceta inverno
carinho sal caneta e quero
são nossas repetições sublimes
e não oprime o que é belo
e não oprime o que aquela hora chama de bom
na nossa peça
na trama
na nossa ordem dramática
nosso tempo então é quando
nossa circunstância é nossa conjugação
Então vamos à lição:
gente-sujeito
vida-predicado
eis a minha oração.
Subordinadas aditivas ou adversativas
aproximem-se!
é verão
é tesão!

O enredo
a gente sempre todo dia tece
o destino aí acontece:
o bem e o mal
tudo depende de mim
sujeito determinado da oração principal.

Elisa Lucinda, 29 de outubro de 1997