quinta-feira, 30 de agosto de 2007

As Profecias (Raul Seixas)

Tem dias que a gente se sente
Um pouco talvez menos gente
Um dia daqueles sem graça

De chuva cair na vidraça
Um dia qualquer sem pensar
Sentindo o futuro no ar
O ar carregado, sutil
Um dia de maio ou abril
Sem qualquer amigo do lado
Sozinho em silêncio calado
Com uma pergunta na alma
Por que nesta tarde tão calma?
O tempo parece parado?
Está em qualquer profecia
Dos sábios que viram o futuro
Dos loucos que escrevem no muro
Das teias, do sonho remoto
Estouro, explosão, maremoto
A chama da guerra acesa
A fome sentada na mesa
O copo com álcool no bar
O anjo surgindo no mar
Os selos de fogo, o eclipse
Os símbolos do Apocalipse
Os séculos de Nostradamus
A fuga geral dos ciganos
Está em qualquer profecia
Que o mundo se acaba um dia
Um gosto azedo na boca
A moça que sonha, a louca
O homem que quer mas esquece
O mundo do dá ou do desce
Está em qualquer profecia
Que o mundo se acaba um dia
Sem fogo, sem sangue, sem ais
O mundo dos nossos ancestrais
Acaba sem guerra, os mortais
Sem glórias de mártir ferido
Sem o estrondo mas com gemido
Está em qualquer profecia
Que o mundo se acaba um dia

..

Um dia.

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

Tão leve, tão breve (Bia Mendonça)



Leve contigo

Desejo leve

Leve comigo

Sem mim: breve


Levito contigo

Comigo pese

Leveza de amor

Contigo breve


Comigo: amor

Sem mim: greve

Contigo: calor

Sem ti: neve


Em ti sobra

Em mim deve

Em nós redobra

Amor breve


Sem mim: querer

Comigo: pele

Contigo: vela

Sem mim: vele


Em ti segredo

Em mim revele

Levo amor

Amor leve


Calor de amor

Mais leve, menos breve

Comigo, contigo

Amar se atreve.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Nalgum lugar (Zeca Baleiro)




Nalgum lugar em que eu nunca estive, alegremente além

de qualquer experiência, teus olhos têm o seu silêncio:

no teu gesto mais frágil há coisas que me encerram,

ou que eu não ouso tocar porque estão demasiado perto

teu mais ligeiro olhar facilmente me descerra

embora eu tenha me fechado como dedos,
nalgum lugar

me abres sempre pétala por pétala como a primavera abre

(tocando sutilmente, misteriosamente)
a sua primeira rosa

ou se quiseres me ver fechado,

eu e minha vida nos fecharemos belamente,
de repente

assim como o coração desta flor imagina

a neve cuidadosamente descendo em toda a parte;

nada que eu possa perceber neste universo iguala

o poder de tua intensa fragilidade:
cuja textura

compele-me com a cor de seus continentes,

restituindo a morte e o sempre cada vez que respira

(não sei dizer o que há em ti que fecha

e abre; só uma parte de mim compreende que a

voz dos teus olhos é mais profunda que todas as rosas)

ninguém, nem mesmo a chuva, tem mãos tão pequenas...